1.5.13

vamos morrendo aos poucos, mostrando cada parte de nós. a plena decadência num inverno longo e longe de ser quente. e mesmo sentado à frente da lareira, sinto a sua presença nas pernas, como duas mãos a deslizarem pelo meu corpo, a ansiarem por ele, à espera que todas as gotas de sangue se evaporem para um espaço vago onde nada acontece. e depois disso, talvez ela me apareça à frente, com aquele sorriso fabuloso, delineado pelo batom vermelho, enquanto os seus olhos, tão escuros quanto as noites de verão, me protegem de toda uma sedução fatal. poderia dizer que não, resistir-lhe como se aquilo não passasse de nada, mas todos sabem, ou deviam saber, que ninguém lhe resiste. nem com mil anjos a protegerem, quando ela aparece assim, com a sua intenção de seduzir, ninguém lhe resiste. e pensando no facto de nunca sermos dois a dançar, descalços, quem sabe nus, numa rua onde todos os olhares estão somente postos em nós os dois, entristece-me, faz-me desmotivar toda esta acção posterior de sedução e de nenhumas palavras. queria eu que ela fosse real, que fosse a morte de sonho de um homem forte e com uma vida completamente vazia e sem sentido como a minha. pelo menos no fim, na hora da decadência deste poderoso corpo sem vivência alguma, houvesse algo que ficasse para lembrar. homem caído na rua, descalço, talvez nu, ao lado da mulher de lábios vermelhos que o ensinou a dançar. a dançar, como quem diz, teria dançado para morrer ali, perante tantos olhares desconhecidos, um mundo que não me pertencia - e nem eu o queria! mas tudo lhe pertence, à mulher dos lábios vermelhos, porque todos irão vaguear entre as ruas do seu mundo, mais cedo ou mais tarde, depois de verem aquele seu sorriso, fabuloso... aquela hora magnífica do descanço eterno... ou talvez não. 

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