Mateus acordou cedo. Estava sentado na mesa de jantar ao pé da janela, o mesmo lugar onde tudo começou, a olhar para a rua. “Bom dia, meu Senhor” disse ao passar para a cozinha. Mateus olhou para mim e levantou-se. Apercebi-me que veio até à cozinha e voltou a encostar-se na ombreira da porta. “Já de pé, Lúcia? Não a esperava tão cedo” olhava para o que eu fazia com enorme atenção como se estivesse a averiguar todo o pormenor de cada acto. “Acordo sempre cedo, Senhor”. Torceu o nariz e dirigiu-se para a mesa da cozinha, puxou uma cadeira e sentou-se. “Oh Lúcia, Lúcia… trate-me por Mateus”. Continuei a trabalhar como se nada tivesse sido dito por Mateus, apesar de tais palavras ficarem presas ao ouvido. “Lá fora já não chove. Será que Mariana retorna a casa agora de manhã?” perguntou Mateus sempre com o olhar preso no que eu fazia. “Em príncipio, sim, Senhor…Mateus” olhei para fora e o homem do leite vinha a caminho. Saí e fui receber as seis garrafas para o dia “Ora muito bom dia, menina Lúcia! Hoje está um dia muito bonito, não está?” perguntava o Senhor Vasquinho, que apesar de ser senhor, continuava a ser Vasquinho para não ser confundido com o seu pai, Vasco. “Está pois, Senhor Vasquinho! E esperemos que continue assim. Tenha um resto de bom dia e obrigada!” O senhor Vasquinho foi-se embora, entregar o leite à vizinhança e voltei eu para a cozinha. “Que achas de passar a casa e a quinta para teu nome, Lúcia?” as garrafas quase me iam ao chão e Mateus correu para apanha-las. “Eu? A mim? Porquê eu? Devia passa-las a família sua… ao seu primo Jeremias, por exemplo. É bom rapaz e sabe o que faz!” Estapafúrdia! Era o que esta ideia era! “Achas que se Jeremias ficasse em meu lugar manteria as coisas como são?” Porque deveria eu saber tal coisa? Não sou uma adivinha e só tinha dado uma sugestão… “Não sei, Senhor… só propus o Jeremias por achar que dava melhor conta do recado, que é tomar conta disto tudo.”, “Achas-te incapaz disso, sendo assim?”, “Só acho que se é da vossa família, da vossa família deverá continuar, Senhor”, Mateus que se tinha levantado, voltou-se a sentar “E se disser que quero que sejas da família e quero que continues com a casa e com a quinta?” parei tudo o que estava a fazer e olhei-o. Se eu fosse da família? Ainda bem que Mariana apareceu nessa hora e evitou que respondesse seja lá o que fosse “Muitos bons dias, Senhor…e Lúcia. Vou pousar as minhas coisas no quarto e já desço para ajudar, com licença”, “Oh, eu vou contigo, Mariana…quero saber novidades da família!” e assim segui atrás de Mariana até ao quarto, ficando Mateus na cozinha, à espera de uma resposta que viria mais tarde.
A tarde correu depressa. Muito mais depressa do que o esperado. Ao entardecer Mateus chamou-me ao quarto. “Lúcia, fecha a porta, precisamos falar”. Mateus mostrou-me um testamento em que passava tudo para meu nome e falou-me que também havia passado algumas coisas para nome de Jeremias, tal como tinha sugerido. “É importante que ouças tudo com atenção e ao pormenor. Talvez não ouvirás mais palavras como estas da minha boca e preciso de deixar tudo esclarecido.” Fez sinal para me sentar na beira da cama e assim fiz, enquanto ele permanecia de pé e rodopiava entre pensamentos. (…)
Sem comentários:
Enviar um comentário