13.9.11

As aves voam com as duas asas (3)


As palavras de Mateus ecoaram na minha cabeça por horas. Após sair do quarto e deixar meu Senhor sozinho para descansar um pouco, fui até à cozinha acabar o meu serviço. Mariana pouco ou nada fazia, e Constança deixava que o que conhecia sobre a vida de outros saisse por sua boca pequena, que de pequena só tinha os seus traços. D. Sebastiana fazia o trabalho sozinha…que mulher! Trabalhava tanto e era tão pouco recompensada. “Mariana! D. Sebastiana precisa de ajuda! Que fazes tanto que nada aparece feito!?” Mariana encolheu os ombros e riu-se. Constança ria-se e a fúria invadia-me. “Constança, vá trabalhar para casa de seus patrões! Aqui não faz nada a não ser incomodar!” Constança trabalhava na vizinhança, e cá vinha de vez em quando saber da vida de Mateus. Desde que seus pais morreram, tentava obter informações para certificar os seus patrões de que mais dia menos dia aquela casa lhes pertencia. “Pois vou, Lúcia, pois vou…aquilo que queria saber, já sei…e de nada me satisfaz! Até uma próxima, Marianinha.” Levantou-se e saiu, ainda que tenha olhado para trás para se certificar de que Mariana não me dizia nada sobre o que soube. Ainda assim D. Sebastiana muito tinha ouvido. “Rapariga, só cais em desavenças. Daqui a pouco vais para a rua sem nada.” dizia D. Sebastiana a Mariana que pouco ouviu e foi fazer algum do seu serviço. 
Mateus desceu ao fim da tarde para jantar. Bordava eu na cozinha, à espera que Mariana chegasse da cidade com novidades da família. Chovia como nunca e pensei que Mariana só voltasse no dia seguinte. “Preciso falar com vocês. Onde está Mariana?” Perguntou Mateus ao encostar-se na ombreira da porta. “Mariana foi à cidade saber novidades da família, meu Senhor”. Mateus olhou para chão, e limpou a sua garganta em seco. “Melhor assim. Lúcia e Sebastiana… o que vos tenho a informar não é uma coisa de se dizer sem qualquer preocupação, mas terão de saber do sucedido. Como sabem esta manhã fui à cidade, mais precisamente ao médico. Tal como já é de família, e de se esperar, estou doente, tal como meu irmão que faleceu há 3 anos e todos se recordam disso. Terei uns 3 meses de vida ou nem tanto e portanto terei de saber o que fazer com a casa e com a quinta.” Levei as mãos à cara para enxaguar as lágrimas que me corriam até à boca. “Lamentamos Senhor.” disse Sebastiana, dando-me uma pequena cotovelada para voltar ao normal. “E que podemos fazer por si, neste momento?” perguntei tentando mostrar um ar de normalidade e tristeza ao mesmo tempo. “Se me poderem salvar, eu agradeço, entretanto estão dispensadas até amanhã de manhã. Boa noite, Lúcia e Sebastiana”.
A dor de saber que alguém como Mateus ia falecer era insuportável. Seu irmão, António, morreu há 3 anos e pouco ou nada se sabia da sua doença. A evolução da medicina não foi muita desde então…e assim poderia morrer Mateus também, sem se saber muito sobre como arranjar uma solução. (…)

Sem comentários:

Enviar um comentário