3.9.11

As aves voam com as duas asas


A chavena de café que Mateus deixou na mesa arrefeceu. O fumo da sua boca saía como se fosse uma questão de tempo para acabar aquele cigarro. 
“Hoje não chove”, disse. Ao olhá-lo apercebi-me que o seu rosto entristecera com tal constatação. “Não chove, não. Meu senhor…mais café?”. O facto de ser sua empregada, e ter de estar constantemente ao seu lado aborrecia-me.E que tal tomarmos café juntos, Mateus? Porque não nesta vida? Uma simples empregada não se mete com os patrões, minha menina!! conseguia ouvir a voz da minha mãe na cabeça. Filha de empregada, empregada será, e nada de se meter com os patrões! “Sim, por favor, Lúcia”. Lúcia e Mateus! Mas em que pensas tu, Lú!? Aproximei-me e enchi a chávena de Mateus. “Pequenas estrelas saiem do teu cabelo, Lúcia. Quão bonita tua pele é!” Estarei a ouvir vozes? Estarei, no mais íntimo do meu ser, a imagimar tais palavras? “Desculpe, meu Senhor?” Sua face enfrenta-me e eu questiono-me se falei acerca do que ouvi ou se falei e as vozes haviam surgido na minha cabeça. “Lúcia, Lúcia…as desculpas…falei demais outra vez?” Na minha cabeça formava-se frases que mal chegavam à língua. Lú-ci-a. Eu. Estarei eu a imaginar coisas? Estarás tu a ouvir coisas? “Desculpe, meu Senhor… posso retirar-me?” dois passos atrás. Mãos à frente do avental a segurar o bule. Talvez falei eu de mais. “Não fujas, Lúcia… mas vá, vá para a cozinha fingir que nunca disse tais coisas que lhe agradam ao ouvido. Eu sei, Lúcia, eu sei. Desde pequeno, eu sei.” Não esperes ouvir aquilo que queres!! É da tua cabeça, Lúcia. Vai, vai para a cozinha, é lá o teu dever. Procuro escape. Estremeci. Pálida, fiquei eu. “Com sua licença, meu Senhor”. E abanou a mão como a desculpar-me por tal acto e a dar-me permissão. 
“Ofendeste-o, Lúcia! Devias ter respondido! É o Mateus! É o teu Patrão! Merece as respostas que quer ouvir!” Mariana gritava-me. Que queria ela dizer com “merece as respostas que quer ouvir”?, Oh Mariana… a pobre jovem moça da casa. Última a chegar e já tanto fala sobre o que mal sabe! (...)

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